domingo, 21 de fevereiro de 2010

Primeiro e último - "esperando dias melhores"...

A vida é feita basicamente das primeiras coisas, um pouco das últimas, e o resto das que vão ficando pelo meio. A gente vai pondo número nos fatos, brincando de reger a história e sempre prestando mais atenção nas pontas – opostas e, por vezes, complementares –, que são o início e o fim. Parece que assim fica mais fácil entender o mundo.

Quem não se lembra do primeiro fantasma embaixo da cama? Do primeiro choro no escuro. A primeira peça de teatro na escola e a última chance de você ser um artista. O primeiro bichinho de estimação que você viu morrer e pediu para enterrar numa caixa de sapatos no jardim da sua casa. A primeira vez que você ouviu Papai Noel chamar baixinho sua mãe de ‘querida’, e a última vez que você acreditou nele. A primeira bronca feia. O primeiro gol. A primeira bota de cano longo. A primeira bicicleta. E a última vez que você andou nela com as rodinhas de apoio.

O primeiro salto alto. A dor estranhamente boa da primeira depilação. O primeiro email enviado e o primeiro recebido. A primeira canção do Led Zeppelin que você ouviu. A primeira fotografia três por quatro. O primeiro esmalte vermelho. A primeira poesia feita assim, de uma vez só. O primeiro show que você foi sem seus pais. O primeiro porre e a primeira amnésia. O primeiro prêmio na escola e a primeira vez que você se achou o máximo. O primeiro computador só seu. O primeiro amor. O primeiro rio de lágrimas, que você achou que seria o último. A primeira saudade. O primeiro xeque-mate. A última chamada no vestibular. A entrevista para o primeiro emprego.

O primeiro salário e a primeira certeza: você ganhava mal. O primeiro cartão de crédito, a primeira fatura e o juramento de que seria a última vez que você gastaria tanto. O primeiro carro. A primeira demissão. A primeira vez que você falou com Deus, e ele respondeu. A primeira dívida. O primeiro negócio próprio e a última vez que você tirou férias. O primeiro cliente e o primeiro mês sem grana.

A primeira estria. O primeiro carro com ar-condicionado. A primeira dor de cotovelo. O último dia de solteira. A última nota na carteira. O primeiro assalto. O primeiro cabelo branco. O primeiro infeliz que chamou você de senhora. O primeiro filho aos quarenta e nove. A última chamada para o embarque. O primeiro casamento aos sessenta e sete. A última esperança. O primeiro tempo. O último dia do ano. O primeiro dia da semana, que ninguém entra num acordo se é domingo ou segunda. A última vez que você se olhou no espelho e desejou que a barriga fosse transparente, só para ver sua filha lá dentro, pronta para o mundo. E a primeira noite com ela nos braços.

O primeiro ovo da primeira galinha. A primeira vez frente a frente com a Morte e a última que ela foi embora sem você. O primeiro negro a ser isto, a primeira negra a fazer aquilo. O primeiro homem na lua. A primeira carta de amor do seu filho. O último dos moicanos.

O primeiro segredo guardado e o último revelado. O primeiro pensamento ao acordar. O último antes de dormir. O último voo. O último dia do resto da sua vida. O último beijo. O último sopro de ar. E a primeira vez que você viu uma estrela tão de perto.



Fonte: Fio da Meada - Silmara Franco

1 comentários:

Ricardo Adorno 22 de fevereiro de 2010 às 10:49  

Ler tudo isso em um dia qualquer já faz chorar...ler isso tudo no dia do aniversário, faz você ser uma manteiga derretida! rs

Como sempre, garimpando lindas palavras! Não me canso do seu blog, muito menos da sua habilidade em mantê-lo assim como vc! XD

Beijos!

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